quinta-feira, 17 de junho de 2010

Há alguns anos, quando eu ainda assistia a TV, lembro que assisti com horror a uma propaganda de uma banda (que começara no underground hardcore) vendendo um famoso refrigerante escuro! E que não era Fanta! (a tal bandinha da Fanta nunca desceu! Era um pão com frango! Só com muita maionese pra descer).
A propaganda em questão era mais ou menos assim: a banda tocava e certa hora parava o show porque havia um cara na platéia que não estava consumindo o tal refrigerante.

Uma outra (irritante) propaganda de tesouras mostrava uma criança que dizia o tempo todo “Eu tenho você não tem”, levando posteriormente à suspensão do comercial em questão por desconsiderar a criança não possuidora da tal tesoura infantil.


Muito bem! Penso que esses dois exemplos de propaganda ilustram bem o modo como nossa moral contemporânea é.

Uma coisa é fato: tornamo-nos consumidores! Hoje, o cliente, é o núcleo de todo a ciência da Administração. Mais do que nunca, as empresas perceberam que o que a alimenta são as pessoas que consomem seus produtos e serviços. Penso que não preciso falar muito sobre isso, uma vez que tenho certeza que você, caro leitor, ou trabalha com telemarketing ou já atendeu alguma ligação de alguma empresa querendo vender algo para você.

Pois bem, até aí, nenhum problema, não podemos negar a importância do dinheiro para a manutenção da vida. Mas há um diferencial imenso entre trabalharmos pelas nossas necessidades e desejos e trabalhamos apenas pelos nossos desejos. E cada vez mais trabalhamos para pagar por coisas que na verdade não precisamos, mas desejamos. A questão então é por que desejamos? Porque como o rapaz do show de rock (aspas, por favor) da propaganda ou como a criança sem a tesoura, desejamos ser reconhecidos pelo nosso poder aquisitivo, ao que as ciências sociais chamam de status.

A busca por status é a mola propulsora de toda a sociedade de consumo. E ela pega a todos nós, porque uma vez nela inseridos, nossa subjetividade é massacrada pelos tons imperialistas das propagandas.

Uma das evidencias mais fortes da força da propaganda na nossa subjetividade é a depressão, ou melhor aquilo que contemporaneamente chamamos de depressão.
Maria Rita Kelh, psicanalista, em seu último livro “O tempo e o cão” lança como hipótese o fato da depressão ser hoje um sintoma social. Antes que o leitor seja inclinado a pensar em uma sociedade deprimida e deprimente, é preciso entender que na leitura sensível de Maria Rita, o sintoma denuncia o que de fato não está dando certo, em qualquer época na qual ele se manifesta. Na época das clássicas histéricas ouvidas por Freud, por exemplo, o comportamento erotizado dessas mulheres evidenciava a extrema repressão exercida sobre a sexualidade feminina.
Pois bem, e hoje? Quais seriam os fundamentos para a depressão crescer em uma sociedade que teria muitos recursos disponíveis para que ela se extinguisse? O que nos torna deprimidos? Alguém lucraria com a depressão? Se sim, quem?

Essas questões complexas são inteligentemente dispostas por Kelh, de modo que conseguimos compreender que há um embotamento afetivo que contagia o ser humano na contemporaneidade. Para Kelh, o Capitalismo atual concentrado nas mãos das grandes corporações e armado com os lucros exorbitantes de 3 indústrias que o sustentam: a bélica, a da propaganda e a farmacêutica.
Evidentemente as críticas não são para qualquer propaganda ou qualquer remédio. Nem mesmo aos antidepressivos, mas sim ao uso desprovido de bases verdadeiras para que sejam ministrados, utilizados ou recomendados.
Há alguns imperativos sociais hoje, ditados a cada banca de jornal, livros de auto-ajuda e no próprio vocabulário corporativo, que dissemina idéias como: seja positivo, emagreça e seja feliz ou como ter sucesso em 50 dicas infalíveis. Quais são os mandamentos atuais?
1. Tenha dinheiro
2. Tenha sucesso a qualquer custo
3. Seja feliz o tempo todo
4. Faças sexo o máximo que puder
5. Consuma muito para ser alguém de real importância
6. Vá em todas as festas, shows, raves e afins que puder, mesmo que esteja cansado! Ficar em casa é coisa para gente infeliz!
7. Tenha muitos parceiros afetivos e sexuais.
8. Em hipótese alguma se deprima! Isso não é permitido!
9. Seja magra (para as mulheres) e devidamente forte (ou sarado - para os homens)
10. Não tenha pudor algum em obter vantagens sobre os outros.


A matriz de todos esses comportamentos é o foco na produtividade imposta pelo Capitalismo. A produtividade por sua vez, é comprometida, caso exista o questionamento sobre o modo como as coisas funcionam. Esse modus operandi contemporâneo corresponde às exigências cada vez maiores para que sejamos dignos de corresponder aos requisitos dos mandamentos sociais. Nossa moral (a nossa, brasileiros e brasileiras, para citar o demônio) é obter vantagens. Em parte porque estabelecemos um contraponto entre ética e lucratividade, de modo que esvaziamos nossos valores humanos em função do encher os bolsos.



Tempo é dinheiro, você já deve ter ouvido falar ou mesmo já falou para alguém. Esse sinônimo é gradativamente instalado em nossa cabeça que nos sentimos mal quando não estamos fazendo nada, ou muito bem quando não fazemos nada, mas temos dinheiro o suficiente para certos luxos que causam inveja ao outro.
Eis que o tempo todo deve ser investido na captação de recursos (pessoais até) para que sejamos mais interessantes às empresas e ao Mercado de Trabalho. Nada que não seja produtivo ou utilitário é valorizado. Logo, assistir a um filme por puro prazer pega mal! È preciso que o filme tenha algo a oferecer para você em forma de ferramentas de trabalho.

A principal ferramenta de trabalho na contemporaneidade é o conhecimento e a informação, tanto que novas tecnologias surgem a cada instante, tornando nossa busca cada vez mais rápida – (para não ficarmos para trás).


Assim, a pressa invade todos os espaços da nossa vida. Se fizermos algo que nos custou algum investimento de tempo ou dinheiro (ops, é a mesma coisa!), logo queremos a recompensa, se conhecemos alguém, logo queremos transar, se transamos logo, queremos gozar, se gozamos, logo queremos gozar de novo, se gozarmos de novo, logo queremos outros que nos façam gozar de novo e daí em diante.

È assim que os relacionamentos se resumiram a ficar ou a famosa dar uma rapidinha, que a carta virou e-mail, que virou mensagem dos comunicadores instantâneos, que virou scrap e agora é um texto limitado a 150 caracteres. Vai por mim, vai surgir algum tipo de rede social baseada só em emotions!




Essa rivalidade e crescente desumanização/ coisificação das pessoas e endeusamento do dinheiro, como principal fundamento da vida, aprisiona tanto o miserável que vive nas ruas, como o empresário bem sucedido com dois, três carros do ano na garagem. Ambos, em extremidades diferentes acreditam que o que dá valor à vida deles é o dinheiro. Não é o trabalho, vejam bem, é o dinheiro. Tanto que muitas pessoas trabalham, mas não percebem o próprio valor ou a importância de sua atividade.

Não somente o trabalho, mas a constatação que se deve consumir (cada vez) mais, para afirmar o próprio valor. Consequentemente há um esvaziamento e ausência de espaço para transcendência ou mesmo transgressão o campo social, pretendendo-se uma homogeneização que acompanhe a globalização econômica, que como se vê, é muito mais que apenas a questão financeira: é a extinção das diferenças, da diversidade e da própria natureza humana, que como se sente, não é feliz o tempo todo, por mais dinheiro e por mais que possa consumir.
Aí, reside o aspecto original do livro de Maria Rita. Ela tem acompanhado acampamentos do Movimento Sem Terra, na qual observou que o sofrimento apresentado a ela era de outra ordem. Essa diferenciação se engendra no entorno coletivo, na experiência da fraternidade e na valorização das pessoas por outros modos que não os ditados pelo capital e até mesmo nos conflitos experimentados e sentidos. Nesse ponto do livro, lembrei-me da história de Madre Tereza de Calcutá contada pelo padre Brian Kolodiejchuk Madre Teresa — Venha, seja minha luz. Nesse livro, o padre afirma que Madre Tereza passou 3 anos de sua vida, em profunda crise com a existência de Deus, com noites em claro, sensação de vazio, choro e todos os desconfortos que qualquer crise costuma trazer, superando-a no entanto, e reforçando sua fé e vocação religiosa

. Se ao invés disso, ela tivesse simplesmente passado por um psiquiatra de rede pública, com 5 minutos para atende-la e ela descrevesse esses sintomas, rapidamente se diagnosticaria uma depressão, devidamente medicada por algum antidepressivo. Nesse processo, não haveria o enriquecimento advindo do trabalho psíquico de elaborar e aprender com a experiência.

Não se trata de uma ode ao sofrimento ou a dor, mas uma resignifcação do sofrimento, que na sociedade atual não pode se manifestar, porque a ordem social é do querer parecer que se tem e do querer parecer que se é. Essa cobrança por rendimento é tamanha que eu mesmo, não raramente, me deparo com pais em busca de ajuda para seus filhos que foram mal nos exames escolares. Certa vez foi preciso muita conversa com a mãe para que ela entendesse que seu filho não era disléxico ou estava com grandes problemas de aprendizado. Ele apenas não havia estudado. E não havia estudado porque havia tido aula de inglês, de informática, de judô e prova de matemática na mesma semana. A superagenda do adulto está cada vez mais presente na vida das crianças. E na adolescência? Como se escapa desse sistema de cobranças familiares e sociais? Ou via superação, o que é desumanamente exigente e difícil ou via entorpecimento. É preciso falar do aumento de consumo de drogas entre adolescentes? E adultos? Que drogas tomam? Várias! Desde o falado antidepressivo para não desanimar e chorar (mesmo que o momento peça isso, como o luto por exemplo), passando pelas cervejadas para comemorar o fim da semana na sexta feira ou a televisão entorpecedora no domingo, porque ouvir certos slogans televisivos no domingo é claramente captado como um deprimente sinal que é hora de voltar para a correria. Correr para que e para onde mesmo?





Sugiro que o leitor busque o filme (encontrado disponível na internet) “A história das coisas” que complementará as idéias que tentei organizar aqui e acrescentará a questão ambiental implicada no nosso estilo de vida atual.

José Carlos da Costa
Psicólogo e educador.

Um comentário:

Wellvis disse...

atualização por aqui é luxo?

beijos